domingo, 30 de janeiro de 2011

Quem tem medo da laicidade?, Debora Diniz*

Excelente artigo que nos faz repensar acerca da conceituação do Estado Laico, tão reconhecido por palavras e tão esquecido em ações.
Sem delongar mais que o necessário, o poder político não deve, de forma alguma, ser confundido com o religioso. Enquanto o primeiro abrange um campo maior de indivíduos, por demandá-los enquanto cidadãos, o segundo se restringe a seus fiéis, tratando-se da fé dos mesmos, segregando ainda mais quando aprofunda-se em doutrinas e cultuações.
Da mesma forma também a liberdade de expressão - e aqui acrescento - religiosa não pode ser cerceada, assim como nós cidadãos não precisamos saber da convicção religiosa de um político para podermos dar a ele credibilidade política.
São coisas totalmente diferentes, e é esse o ponto insistentemente tratado no trabalho abaixo e nos dois outros que menciono como sugestão.

"O arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz, espera que a presidente Dilma explique suas convicções religiosas para que o diálogo político possa progredir. De minha parte, não preciso conhecer a fé religiosa de nossa presidente para acreditar na democracia. [...] Se a ela for conveniente expor suas crenças privadas em matéria religiosa, que esse seja um fato indiferente à vida democrática. Mas, honestamente, preferiria que Dilma fosse não apenas a primeira mulher presidente, mas principalmente aquela que atualizasse o dispositivo da laicidade do Estado brasileiro.

Um Estado laico não é um Estado ateu ou intolerante às liberdades religiosas. Ao contrário, é exatamente a laicidade do Estado o que permite que cada indivíduo decida se quer comungar de determinadas crenças religiosas. Em um Estado laico, os representantes políticos máximos, como é o caso de nossa presidente, devem ser neutros em matéria religiosa. Isso não significa que não possam professar suas crenças individualmente ou com suas famílias. Se a presidente Dilma frequenta um templo, uma igreja ou um terreiro aos fins de semana, suas decisões políticas na segunda-feira não devem se pautar pelo sermão do padre, pela pregação do pastor ou pelas orientações da mãe de santo. Em um Estado laico, não há nem perseguição religiosa nem proteção às religiões. Simplesmente, qualquer cidadão é livre para criar a própria igreja ou filiar-se às centenas já existentes no Brasil.

[...]

Em entrevista recente, dom João declarou que há quem sustente o caráter laico do Estado para “o cidadão religioso não ter lugar na política”. E, como um chamamento para a resistência, anunciou que a “Igreja Católica está recuperando a preocupação com a política”. Ora, que as religiões são movimentos políticos, não há dúvidas. Além de movimentos políticos, são empresas, associações comunitárias ou espaços de socialização. Essas múltiplas expressões as transformam em instituições poderosas para a ação política, como demonstraram recentemente as controvérsias sobre aborto e diversidade sexual travadas durante a campanha eleitoral. Esses são dois temas importantes para algumas comunidades religiosas, mas também para muitas pessoas que não se declaram religiosas. A resposta que aguardamos da presidente Dilma sobre esses temas não deve reproduzir as determinações de sua fé religiosa, se porventura as possuir, mas deve indicar como o Estado brasileiro, laico e plural em matéria moral, reconhecerá a igualdade como um direito universal e absoluto. Por isso, a presidente e sua equipe devem retomar o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e rever os pactos internacionais firmados pelo país nas últimas duas décadas, além de outros instrumentos da cultura dos direitos humanos para fundamentar suas posições políticas.

Não há por que ter medo da laicidade. Reconhecer o direito de voz às lideranças religiosas na política não é o mesmo que conceder-lhes passe livre para a participação na deliberação política oficial do Estado. A liberdade de expressão política é um direito inalienável, seja para pessoas religiosas ou não. A laicidade não silencia a participação política. A clássica separação entre Estado e igreja não é o afastamento das religiões da vida política, mas seu devido distanciamento das instituições básicas do Estado. Por isso, não deve importar a fé dos ministros do Supremo Tribunal Federal ou dos ministros nomeados por Dilma. Todos devem igualmente respeitar o princípio da neutralidade religiosa do Estado em suas atuações políticas oficiais. Não há, portanto, incompatibilidade moral entre a mulher de fé e a mulher de Estado. Só elegemos a mulher de Estado."


*Débora Diniz é Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero


Na íntegra:
http://www.anis.org.br/informe/visualizar_informes.cfm?IdInformes=131
Quem tem medo da laicidade?

Jornal O Estado de S. Paulo, 23/01/2011
Caderno Aliás, pp. J7


Veja também
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?msg=CONF&cod=626JDB001&#c
Igreja pede explicações ao Estado
Por Ligia Martins de Almeida em 25/1/2011

http://contraofalsoobvio.blogspot.com/2011/01/o-que-as-igrejas-precisam-entender.html
O que as igrejas precisam entender
Por David Fraga em 30/01/2011

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