segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Sonhos e Pernas*


Olhe
Não venha me mostrar o que você não vê
Não venha me provar o que você não crê
Não tente se enganar
Pense
Ninguém pode se dar o que só você tem
Ninguém vai te dizer pra onde vai ou de onde vem
A estrada é pra caminhar
Não perca o resto do tempo que ainda te resta
Não perca tempo pensando que a vida não presta
Certas canções duram pouco, outras são eternas
Por que carros e aviões, se tens sonhos e pernas
Lembre
Que sua consciência é o seu grande farol
Há meses que fazem chuva, semanas que fazem sol
E dias em que tanto faz
Faça
Você faz seu enredo, você é seu Jesus
Feche os olhos do medo e abra o templo da luz
E tente um minuto de paz

*Vander Lee
http://letras.ms/U5n

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Proemeto Irônico


O que tu chamas tua paixão,
É tão-somente curiosidade.
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...

Curiosidade sentimental
Do seu aroma, da sua pele.
Sonhas um ventre de alvura tal,
Que o linho fique ao pé dele.

Dentre os perfumes sutis que vêm
Das suas charpas, dos seus vestidos,
Isolar tentas o odor que tem
A trama rara dos teus tecidos.

Encanto a encanto, toda a prevês.
Afagos longos, carinhos sábios,
Carícias lentas, de uma maciez
Que se diriam feitas por lábios...

Tu te perguntas, curioso, quais
Serão seus gestos, balbuciamento,
Quando decerdes nas espirais
Deslumbradoras do esquecimento...

E acima disso, buscas saber
Os seus instintos, suas tendências...
Espiar-lhe na alma por conhecer
O que há sincero nas aparências.

E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...
O que tu chamas tua paixão,
É tão-somente curiosidade.


Por Manuel Bandeira,

em "Os melhores poemas de Manuel Bandeira
- Seleção de Francisco de Assis Barbosa"

domingo, 30 de janeiro de 2011

Quem tem medo da laicidade?, Debora Diniz*

Excelente artigo que nos faz repensar acerca da conceituação do Estado Laico, tão reconhecido por palavras e tão esquecido em ações.
Sem delongar mais que o necessário, o poder político não deve, de forma alguma, ser confundido com o religioso. Enquanto o primeiro abrange um campo maior de indivíduos, por demandá-los enquanto cidadãos, o segundo se restringe a seus fiéis, tratando-se da fé dos mesmos, segregando ainda mais quando aprofunda-se em doutrinas e cultuações.
Da mesma forma também a liberdade de expressão - e aqui acrescento - religiosa não pode ser cerceada, assim como nós cidadãos não precisamos saber da convicção religiosa de um político para podermos dar a ele credibilidade política.
São coisas totalmente diferentes, e é esse o ponto insistentemente tratado no trabalho abaixo e nos dois outros que menciono como sugestão.

"O arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz, espera que a presidente Dilma explique suas convicções religiosas para que o diálogo político possa progredir. De minha parte, não preciso conhecer a fé religiosa de nossa presidente para acreditar na democracia. [...] Se a ela for conveniente expor suas crenças privadas em matéria religiosa, que esse seja um fato indiferente à vida democrática. Mas, honestamente, preferiria que Dilma fosse não apenas a primeira mulher presidente, mas principalmente aquela que atualizasse o dispositivo da laicidade do Estado brasileiro.

Um Estado laico não é um Estado ateu ou intolerante às liberdades religiosas. Ao contrário, é exatamente a laicidade do Estado o que permite que cada indivíduo decida se quer comungar de determinadas crenças religiosas. Em um Estado laico, os representantes políticos máximos, como é o caso de nossa presidente, devem ser neutros em matéria religiosa. Isso não significa que não possam professar suas crenças individualmente ou com suas famílias. Se a presidente Dilma frequenta um templo, uma igreja ou um terreiro aos fins de semana, suas decisões políticas na segunda-feira não devem se pautar pelo sermão do padre, pela pregação do pastor ou pelas orientações da mãe de santo. Em um Estado laico, não há nem perseguição religiosa nem proteção às religiões. Simplesmente, qualquer cidadão é livre para criar a própria igreja ou filiar-se às centenas já existentes no Brasil.

[...]

Em entrevista recente, dom João declarou que há quem sustente o caráter laico do Estado para “o cidadão religioso não ter lugar na política”. E, como um chamamento para a resistência, anunciou que a “Igreja Católica está recuperando a preocupação com a política”. Ora, que as religiões são movimentos políticos, não há dúvidas. Além de movimentos políticos, são empresas, associações comunitárias ou espaços de socialização. Essas múltiplas expressões as transformam em instituições poderosas para a ação política, como demonstraram recentemente as controvérsias sobre aborto e diversidade sexual travadas durante a campanha eleitoral. Esses são dois temas importantes para algumas comunidades religiosas, mas também para muitas pessoas que não se declaram religiosas. A resposta que aguardamos da presidente Dilma sobre esses temas não deve reproduzir as determinações de sua fé religiosa, se porventura as possuir, mas deve indicar como o Estado brasileiro, laico e plural em matéria moral, reconhecerá a igualdade como um direito universal e absoluto. Por isso, a presidente e sua equipe devem retomar o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e rever os pactos internacionais firmados pelo país nas últimas duas décadas, além de outros instrumentos da cultura dos direitos humanos para fundamentar suas posições políticas.

Não há por que ter medo da laicidade. Reconhecer o direito de voz às lideranças religiosas na política não é o mesmo que conceder-lhes passe livre para a participação na deliberação política oficial do Estado. A liberdade de expressão política é um direito inalienável, seja para pessoas religiosas ou não. A laicidade não silencia a participação política. A clássica separação entre Estado e igreja não é o afastamento das religiões da vida política, mas seu devido distanciamento das instituições básicas do Estado. Por isso, não deve importar a fé dos ministros do Supremo Tribunal Federal ou dos ministros nomeados por Dilma. Todos devem igualmente respeitar o princípio da neutralidade religiosa do Estado em suas atuações políticas oficiais. Não há, portanto, incompatibilidade moral entre a mulher de fé e a mulher de Estado. Só elegemos a mulher de Estado."


*Débora Diniz é Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero


Na íntegra:
http://www.anis.org.br/informe/visualizar_informes.cfm?IdInformes=131
Quem tem medo da laicidade?

Jornal O Estado de S. Paulo, 23/01/2011
Caderno Aliás, pp. J7


Veja também
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?msg=CONF&cod=626JDB001&#c
Igreja pede explicações ao Estado
Por Ligia Martins de Almeida em 25/1/2011

http://contraofalsoobvio.blogspot.com/2011/01/o-que-as-igrejas-precisam-entender.html
O que as igrejas precisam entender
Por David Fraga em 30/01/2011

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Palestra do saudoso Prof. Cláudio Ulpiano sobre o sistema de pensamento construído por Espinoza.

Em síntese, Espinoza ao pensar em Deus, rompe com a teologia tradicional. Ele identifica Deus na natureza, abandonando o criacionismo e abordando um aspecto de produção. Deus seria aquilo que produz tudo o que existe.

O conceito de liberdade também é relevante: livre é o ser que não tem sobre si nenhum constrangimento.

Os constrangimentos são diversos, presenciados por todos que participam de um convívio social, e por isso, inerentes ao ser social.

Dessa forma, “Deus é livre porque não é constrangido por nada”.

Ele é a força etérea única, o ser Ideal, e está em uma categoria diferente da dos homens.

Falando assim é até óbvio, mas deixei isso claro porque a abordagem de Espinoza separa claramente os homens de Deus.

Já os homens, necessariamente são constrangidos por forças externas a eles, portanto não são livres. Sua liberdade estaria condicionada a possibilidade do homem ser causa ativa de suas próprias ações, desvencilhar das forças externas.

Nesses exatos termos, diz Albert Einstein:

"Não creio, no sentido filosófico do termo, na liberdade do homem. Todos agem não apenas sob um constrangimento exterior mas também de acordo com uma necessidade interior."

Estaria então o homem sempre preso a uma convicção, a uma força externa que o impediria de alcançar a liberdade plena.

Afinal, o homem realmente almeja a liberdade plena?


No segundo vídeo, Ulpiano fala dos gêneros do conhecimento, que são três:

A consciência é o resultado do encontro de outros corpos na natureza, das marcas, signos ou símbolos resultantes desse encontro. São as forças externas que, nesse caso, determinam o que o homem é, e dessa forma, o homem como reflexo de sua consciência é escravo dela.

A razão é a capacidade do sujeito humano de conhecer aquilo que está de fora, sendo algo além do resultado do encontro das forças externas.

O terceiro gênero é a ciência intuitiva, o poder de invenção e de rigor do sujeito humano: conhece aquilo que é externo a ele, com a capacidade de desenvolver e criar.

Então o conhecimento é a soma da consciência - dos efeitos dos encontros de outros corpos -, da razão - enquanto capacidade de entender o que é externo ao ser humano - e da sua reflexão sobre sua ciência intuitiva, na medida da possibilidade de absorver as duas classes anteriores (consciência e razão) e progredir.

Ineptire est iuris gentium

Eu costumo parar para refletir em porque é mais fácil acolher uma mentira do que aceitar uma verdade.

As verdades são óbvias, e muita das vezes cercadas de tamanha simplicidade que a dificuldade é acreditar em como algo tão simples pode ser a verdade.

“Simplesmente o espírito não consegue descansar na verdade”. Monsenhor Marcel Lefebvre, em Do liberalismo à apostasia.

É porque as perguntas que fazemos a nós mesmos não são simples – aos nossos olhos. E por isso, imaginamos que qualquer que venha a ser a resposta a tais perguntas, que seja tolhida da mais alta complexidade para justificar a comum dificuldade de chegarmos a essa verdade por nós mesmos.

Porque eu não consigo alcançar tal coisa?

Ora, o “porque você não é capaz” é seco, e mais difícil de ser aceito do que o “é porque não era a sua hora, não era o momento, não era pra ser”. E convenhamos que ainda assim, não ameniza satisfatoriamente o gosto de uma frustração ou derrota.

Esconder nossos olhos por detrás de fantasias é um comportamento que deveria ser deixado para trás ainda na infância. Mas não somos de ferro, e recapitular a inocência das coisas chega a ser reconfortante, por mascararmos a realidade que nos cerca.

Essa realidade é crua, amarga. Treinamos por tanto tempo nossos olhos a evitá-la, e quando nos deparamos com ela, nos faz parecer ainda mais cruel do que realmente deveria.

A ignorância é uma bênção. A burrice e a maledicência são permitidas.

Digo o mesmo sobre a fé.

Elas nos mantêm por caminhos seguros, ainda que escuros. Dentro da caverna ainda estamos todos protegidos.

Dão-nos orientação suficiente para nos satisfazer nas trevas, nos mantêm aquecidos e unidos.

Nas palavras de Shopenhauer, a inépcia é um direito de todos [ineptire est iuris gentium]. Não há como tolher algo que é possível de ser inerente, ou melhor, é imanente a raça humana.

Aqueles que almejam a luz devem estar dispostos a suportar todas as conseqüências de suas escolhas, e o tormento de que essa é uma escolha sem volta. O caminho é árduo, e aqueles que por ele escolhem, caminham sozinhos.